A casa foi o primeiro projeto construído por Bo Bardi. A arquiteta, naquele momento com 38 anos, havia, até então, conseguido concretizar apenas seus projetos para alguns móveis e interiores, exposições e projetos gráficos. A casa foi a oportunidade para materializar ideias que ela vinha acumulando sobre arquitetura.
As obras da casa iniciaram-se no meio de 1951, após a obtenção da permissão da prefeitura para construção do projeto. Para ser aprovado, ele foi submetido com a assinatura de Warchavchik no papel de autor. Como estrangeira, Bo Bardi só poderia, pelas leis de então, assinar seus projetos no país, após passar por um longo processo burocrático para revalidação do seu título ou pela naturalização, o que aconteceria em 1953.[1]
A casa foi também a primeira construção do parcelamento e impulsionou o crescimento do bairro, ligada à expansão horizontal de São Paulo em processo de metropolização.
Assentada na encosta, a casa foi projetada no centro do terreno e dividida em duas partes diversas e complementares, constituindo, em planta, um único e grande retângulo recortado por espaços abertos. Uma das partes é formada pela grande sala de estar, feita de materiais que caracterizaram as conquistas espaciais da arquitetura moderna: paredes inteiras de caixilhos de vidro em três das suas faces, apoiadas sobre uma laje de concreto armado sustentada, por sua vez, por finos tubos de aço, capazes de lançar o volume no espaço, como um posto de observação. Sob este volume estão o jardim coberto, a escada de acesso suspensa no ar e o caule de uma árvore que percorria os dois pavimentos do edifício e aflorava em meio à sala, contornada por paredes de vidro conformando um pátio interno de iluminação.
A outra parte da casa é feita de tijolos cerâmicos tradicionais caiados de branco. Com a forma de um U, ela subdivide-se em dois blocos paralelos, interligados pelo volume de um trecho da longa cozinha, que Bo Bardi equipou com os mais modernos aparelhos. Estes blocos são, por sua vez, separados entre si por um pátio aberto e acessível apenas por fora da casa. O primeiro bloco, diretamente ligado à sala de estar, abriga os quartos de hóspedes e do casal, os banheiros e o outro trecho da cozinha. O segundo bloco é aquele dos quartos, banheiros, sala dos empregados e da lavanderia, cujas janelas não se abrem para o pátio comum aos patrões. Com exceção de duas fachadas simétricas – aquela do quarto do casal, fechada por um painel de vidro do piso ao teto e aquela, oposta, da cozinha, fechada com painéis de compensado e caixilhos de vidro – as demais aberturas desta parte da casa são tradicionais recortes na parede de tijolos, aqueles que caracterizaram os edifícios antes dos novos sistemas construtivos utilizados pela arquitetura moderna.
A imagem figurativa desta parte da casa remete às construções vernaculares mediterrâneas, tão admiradas por Bo Bardi e por parte da então recente cultura arquitetônica italiana, que via nelas a economia de meios e a inteligência buscada para a arquitetura moderna. Dois fornos, como aqueles encontrados nas casas rurais brasileiras, um para o pão e outro para os churrascos, complementam o conjunto. As duas partes da casa apresentam a hibridização de um universo erudito e moderno com outro popular, lido, porém, com os olhos modernos.
Bo Bardi preferiu não cobrir os extensos panos de vidro com brises, seguindo os princípios corbusianos incorporados na arquitetura moderna brasileira pela “escola carioca”. A sala de estar envidraçada é logo após ao final da construção protegida por cortinas, que davam privacidade ao casal e proteção do sol.
Com o tempo, este papel coube também às árvores que cresceram, resfriaram o ambiente da casa e transformaram a sua relação com a paisagem: não mais se via a cidade no horizonte e a cidade não mais via a construção[2]. O exterior continuou sempre no interior, mas através da massa verde da copa das árvores colada às paredes de vidro.
[1] A permissão para assinar seus trabalhos no Brasil pelos órgãos competentes seria dada, no entanto, apenas em 1955, segundo Zeuler (2013).
[2] Anelli, Renato. House in the woods: sheer transparency in the tropics. Notations for a conference at Lina Bo Bardi: 100 Symposium, Architecture Museum of Munich. November, 12th, 2014.