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Minhocão-SP

Nos dilemas do Minhocão, o que importa é discutir o espaço público

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Em um aspecto, todos concordam: é preciso transformar o Minhocão e melhorar a vida ao seu redor. Mas a convergência de opiniões e soluções encerra-se nessa constatação. Excetuando algumas poucas vozes de bom senso e baixa repercussão, o que se tem visto nas últimas décadas é uma sobreposição de argumentos, discursos e propostas setoriais que passam pelos aspectos técnico, social, imobiliário e até histórico, como se fosse possível separar cada um desses interesses.

A rigor, o que está em debate a partir do projeto para o Minhocão, divulgado recentemente pela Prefeitura de São Paulo, não são 900 metros de um possível parque suspenso e nem o impacto da mudança do tráfego de automóveis na área ao seu redor, muito embora esses fatos possam impactar diretamente os moradores da região e, portanto, devem ser tratados com prioridade. Mas o que está em debate é a disputa pela hegemonia entre dois modelos de cidade. O primeiro, originado de intervenções norte-americanas do início do século XX, buscava soluções para resolver o crescente tráfego de automóveis em áreas centrais urbanas por meio de viadutos e avenidas segregadas; o segundo, consolidado no decorrer do século XX, defendia a importância do pedestre na escala da vizinhança, considerando o centro urbano como o “coração da cidade”. Atualmente, esses modelos são respectivamente revisitados em soluções para a mobilidade urbana e para a defesa da “cidade para pessoas”. A depender do ânimo dos gestores, esses modelos são tratados conjuntamente ou não. E para incrementar a polarização, há ainda uma vertente que reivindica o planejamento urbano como instrumento demiúrgico de combate a todas as mazelas urbanas.

Esses debates camuflam o essencial, que é discutir qual o papel da rua na cidade brasileira e, em última instância, qual o atual significado do espaço público. A cidade é o lugar dos conflitos, o Minhocão é uma infraestrutura urbana, e a rua está no centro desse debate, porque é o espaço público, por natureza. Minimamente, o projeto de transformação da área tem que considerá-los (cidade, Minhocão, rua) como partes de um sistema de espaços inclusivos articulados em redes (infraestruturais e sociais) mais amplas. Como os aspectos culturais, sociais e estéticos do bairro e, por que não, da metrópole estão sendo levados em conta? Como as diferentes demandas da área podem ser contempladas pelo projeto? Como as especialidades de drenagem, acessibilidade universal, conforto urbano e usos diversificados podem ser integrados ao projeto? Os dilemas do Minhocão passam desde a defesa pela sua demolição, à luz da experiência carioca, até a sua qualificação inspirada no High Line, de Nova York. Mas, independente da qualidade do seu desenho, essas ações criam um risco de substituir a segregação resultante do planejamento tecnocrático dos anos 1970 pela exclusão gentrificadora da cidade contemporânea.

(Texto: Jeferson Tavares/ docente do IAU)

*Crédito da imagem: G1