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Entrevista com Carla Juaçaba

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Com uma simpatia ímpar, a notória e jovem arquiteta Carla Juaçaba concedeu, no dia 11 de fevereiro, uma entrevista ao site do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU/USP)*.

Celebrada por possuir uma obra sensível e singular, o seu primeiro prêmio foi em 2000, pela Companhia Siderúrgica Nacional na Construção Civil, com o projeto intitulado “Uma Igreja no Rio”. Em 2012, foi premiada pelo projeto do Pavilhão da Humanidade, construído para a Rio+20. Mas o que a destacou internacionalmente foi a premiação na primeira edição do ArcVision – Mulheres e Arquitetura, recebida em 2013 na Itália. Em 2018, Carla recebeu o prêmio “Emerging Architecture Awards”, por seu projeto de uma capela no Pavilhão da Santa Sé, no Vaticano, exposta durante a Bienal de Arquitetura de Veneza.

Na entrevista, Carla aborda sua atividade profissional e dá dicas aos futuros arquitetos. Confira abaixo a entrevista na íntegra.

Primeiramente, você poderia nos falar um pouco sobre sua trajetória profissional?

Eu estudei na Universidade Santa Úrsula, uma faculdade particular no Rio de Janeiro. Na época em que estudei lá, era um local que oferecia uma formação muito experimental, voltada para artes plásticas. Havia mais artistas do que arquitetos, como Lygia Pape e Nelson Felix, ou eles me marcaram mais do que a própria arquitetura. Também quando eu era estudante, acabei fazendo estágio com Gisela Magalhães, da geração do Oscar Niemeyer, que foi a primeira pessoa no Brasil a trabalhar com expografia de museus. Isso foi antes de me formar, e foi uma experiência muito interessante para mim. Imaginava que iria continuar trabalhando com expografia, mas depois acabei voltando para a arquitetura, comecei fazendo uma casa, gostei muito, fui me apaixonando enquanto ia fazendo…

Em 2013, você ganhou o prêmio internacional ArcVision, que é descrito como “um prêmio para arquitetas que apresentam excelência, tecnologia e implicações socioculturais em seus projetos”. Você poderia pontuar como as dimensões tecnológicas e socioculturais aparecem em suas obras?

Ganhei esse prêmio exatamente pelo Pavilhão de Copacabana [Pavilhão Humanidade], que a Bia Lessa* me convidou para fazer. Quando fui visitar o local com ela, eu vi um andaime com um plástico branco em cima, cobrindo-o. Então, dei continuação a algo que já existia. Eu quis comunicar a ideia de sustentabilidade, que tinha a ver com a Rio+20 e com o planeta. Então, essa coisa de aproveitar o que tem, de utilizar a mínima energia possível para construir o edifício, pensar que era algo temporário, tudo isso foi pensado. Ou seja, não é só no edifício em si que eu pensei, mas em tudo que envolveria o projeto. O percurso pela obra expõe a condição do tempo – chove dentro mesmo, há certa sensação de fragilidade enquanto se caminhava por ela. Penso que, no final das contas, o trabalho comunicou o que precisava. O que eu achei interessante não foi tanto a imagem final, mas que foi capaz de comunicar tudo isso.

*Diretora de teatro e cenógrafa.

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Pavilhão da Humanidade (créditos: arquivo pessoal)

Essa questão que tem a ver com uma certa instabilidade das coisas, que está associada à arquitetura, nisso se enquadra seu belíssimo trabalho para a Bienal de Arquitetura de Veneza, o Pavilhão da Santa Sé, com curadoria de Francesco Dal Co. Você e mais nove arquitetos foram escolhidos por ele para fazer uma série de intervenções nos jardins do Vaticano. Poderia falar sobre essa experiência, a questão da imaterialidade e a relação que você estabelece da obra com o entorno?

Esse foi um trabalho muito sintético. As pessoas em geral falam desse trabalho como sendo de escultura, uma instalação, mas é realmente de arquitetura, pois tem um programa, um banco e uma cruz. Você está em uma capela, senta-se em um banco diante de uma cruz, que simboliza o sofrimento, um programa muito antigo. Não tem matéria, é quase invisível, porque está “dentro” da natureza, em um clarão. Eu acho que essa ideia de parede, de teto, é continuada também um pouco pelo lugar, pela cúpula dessas árvores. Existe uma ideia de espaço que é delimitada por esses elementos naturais. Adicionado a isso, é muito reflexivo, ainda quer ser mais invisível do que já é. A reflexão que tem no material não é só porque é bonito; é também uma metáfora da vida. Às vezes, você vê o reflexo, às vezes não vê. Além da execução da obra ter sido perfeita, o espelhado do aço inox superpolido tem a intenção de refletir a natureza e falar dessa existência.

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Pavilhão da Santa Sé (créditos: arquivo pessoal)

Tem justamente uma “pegada” religiosa…

Sem dúvida. Sobretudo, a espiritualidade. É para o Vaticano, é uma igreja católica, é a cruz de São Pedro, uma cruz invertida, que é a cruz da humildade, algo que só fiquei sabendo depois, inclusive.

Para essa obra, primeiro veio o convite de Francesco Dal Co. Depois, você também teve contato com outros arquitetos, com o pessoal do Vaticano. Como foram essas relações?

Diretamente, foi sempre com Francesco, e a distância, pois não pude ir para lá. Ele mandou o plano, fotos, fez um vídeo muito bonito, em que filma uma árvore para explicar o local para quem não pôde ir até lá, com todo o brilho de Veneza por trás da árvore, a brisa que vem e volta, a vida mesmo. Eu achei isso muito bonito e foi muito inspirador esse vídeo. E foi uma conversa diretamente com ele o tempo todo. Fiz o primeiro projeto e nenhum de nós dois ficou satisfeito. Depois, veio o segundo projeto, que todo mundo gostou, e foi bem-vindo. Acho também que o curador Francesco Dal Co foi muito feliz ao me colocar ao lado do Eduardo Souto de Moura, porque acho que ele escolheu colocar a obra mais pesada de todas ao lado da mais leve, imaterial. Depois, foi muito bom e lindo falar com o próprio Souto de Moura, que disse para mim que a língua portuguesa estava muito bem [risos].

Então, a escolha do lugar tem muito da orientação do Francesco Dal Co, não é?

Os locais, em si, eram muito parecidos: clarões no meio de árvores muito antigas, num terreno do Vaticano que nunca tinha sido aberto ao público antes. Só que ele escolheu um lugar super bonito. Conversamos sobre a orientação solar da capela, porque eu queria que a luz viesse um pouco de trás. Em função disso, ele definiu o lugar final, mas todos são, na verdade, muito parecidos.

Você foi responsável por obras “icônicas”, a exemplo do Pavilhão Humanidade para a Rio+20. Você poderia dizer quais foram os princípios e as questões que nortearam a elaboração desse projeto? E também, de uma forma geral, você poderia nos contar como se dá a elaboração e o desenvolvimento de seus projetos? Como se dá seu processo criativo?

Acho que o Pavilhão Humanidade pode ser um bom exemplo para falar sobre isso. Para mim, qualquer projeto nasce da observação de um lugar. Então, que matéria será utilizada, que matéria faz sentido usar ali, que lugar é esse? Existe uma relação muito direta com o lugar, sabe? Então, por exemplo, em Copacabana, fez muito sentido fazer aquilo, mas eu não sei se usaria um andaime em outro lugar. Não é o andaime que me interessa em si, nem o aço inox, nem as pedras, mas o que se pode fazer em cada lugar e que sentido isso tem. Essa é a primeira questão. Não existe uma predeterminação para nada, em nenhuma situação, de nenhum material. Isso é a coisa mais importante para mim. Do contrário, você utiliza uma fórmula que se repete e aquilo vira algo sem sentido.

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Pavilhão da Humanidade (créditos: arquivo pessoal)

Você está destacando a importância que dá às ações como algo quase único, que decorre da experiência que determinado projeto suscita. Qual, então, a relação que seu trabalho tem com outras correntes arquitetônicas contemporâneas, da arquitetura brasileira de um modo geral?

Algumas pessoas disseram que minha capela [do Vaticano] era muito brasileira. Muitos críticos portugueses que estavam lá fizeram esse comentário, eu achei muito curioso e perguntei por quê. E me respondiam, “não sei por quê, mas é muito brasileira” [risos]. No fundo, eu também acho, porque a do Souto de Moura era muito fechada, pesada, historicista. Lindíssima a capela dele, mas tinha todas essas características portuguesas, muito do fado e da música de lá. Perguntaram-me, então, qual seria a música da minha capela e disse que seria a do Baden Powell tocando “Asa Delta”, muito mais aberta, muito integrada à natureza, muito mais leve, talvez. Mas não consigo fazer uma associação direta com a arquitetura importante brasileira, que foi modernista. Eu sei que ela [a capela] é brasileira por esse sentido talvez de transparência e leveza mesmo.

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Pavilhão da Santa Sé ( créditos: arquivo pessoal)

Você também começou um trabalho muito qualificado envolvendo obras residenciais e, de repente, ganha maior projeção com o Pavilhão Humanidade e, depois, com o Pavilhão da Santa Sé. Como vê essa mudança de escalas?

Vejo cada trabalho como único. A questão da escala não traz nenhuma diferença de dificuldade para pensar no projeto. Eu acho até que uma casa pode ser mais difícil do que um pavilhão inteiro. Acho que a abordagem é sempre a mesma: o que faz sentido fazer aqui? Não chegar com um desenho, mas tentar responder de uma forma que faça sentido no lugar. Aquela conversa que Louis Kahn tem com os materiais, o tijolo, a pedra, eu tenho com o lugar. A questão do contexto, da geografia, da situação, isso é o mais importante de tudo, não a escolha do material. Na Casa Rio Bonito, não é só porque havia pedra disponível, mas porque fazia sentido dentro de uma natureza tão intensa usar pedra. Por exemplo, na Casa Varanda, que está na cidade, suspensa sobre um terreno alagável, centenário, tão bonito, se a casa corta o terreno no meio, então, em um segundo passo, a sala corta a casa no meio, como consequência no final das contas de uma reflexão sobre a implantação.

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Casa Rio Bonito (crédito: arquivo pessoal)

Embora você seja muito nova, além de ter feito projetos importantes, tem também um tempo considerável de atuação profissional. Durante esse tempo, quais foram os principais desafios que encontrou durante sua trajetória?

O maior desafio que existe é se manter na profissão. Há uma dificuldade imensa para continuar na profissão. Agora, por exemplo, é um momento muito contraditório na minha carreira, pois está havendo uma grande repercussão de um projeto que fiz lá fora e, ao mesmo tempo, o Brasil está nessa crise e quase não tem trabalho. Estou no momento sem trabalho no Rio de Janeiro, o Governo do Estado decretou até falência, então não tem nada aqui. Não é uma coisa absurda estar sem trabalho nesse contexto? Então, realmente, o desafio é se manter, não desistir.

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Casa Varanda (créditos: arquivo pessoal)

Para os futuros arquitetos, entre eles os alunos do IAU, você gostaria de dar alguns conselhos específicos para os desafios da profissão?

Acho que é preciso aproveitar qualquer oportunidade com tudo que você pode dar, pois não temos tantas oportunidades assim na vida. Eles têm que entender isso como alunos também! Os trabalhos da graduação têm que ser vistos como os primeiros desafios, exercícios de linguagem, como coisas muito importantes. Não porque têm que tirar uma nota boa, mas porque esses já são exercícios importantes de pesquisa, aproveitando o máximo de cada professor. Nunca fiquem esperando grandes oportunidades para exercitar o que estão aprendendo, comecem com as pequenas.

No IAU, particularmente, há uma presença feminina muito grande. Como você enxerga sua própria arquitetura a partir da perspectiva da presença da mulher na profissão?

São, realmente, poucas mulheres ainda na profissão, e a projeção de um número maior de mulheres na arquitetura é algo atual. Há cinco mulheres no México que considero arquitetas maravilhosas. Mas a inserção da mulher é uma dificuldade geral em todas as profissões. Para termos destaque, precisamos trabalhar duas vezes mais. No caso da arquitetura, ao estar em um canteiro de obras, por exemplo, vemos o machismo se manifestar fortemente, ainda que camuflado, pois muitas vezes esse preconceito é velado, e nas cidades grandes é mais velado ainda.

De um modo geral, quais são suas referências, tanto em relação a projetos como a profissionais que você admira?

Acho a arquitetura brasileira muito importante e presente. Paulo Mendes, a arquitetura paulista é maravilhosa, a arquitetura carioca, mas tem que ter muito cuidado, pois às vezes pode correr o risco de virar uma referência dogmática. Depois, artistas plásticos como o Richard Serra. A própria Lina Bo Bardi…. Um assunto à parte, que não tem nada a ver com a arquitetura, mas que adoro, é o teatro de Peter Brook. Sua cenografia me ensinou muito sobre arquitetura. É considerada uma manifestação do Teatro Pobre, no sentido que a Lina propõe uma arquitetura povera, que vem daquele contexto italiano de arte povera. Tudo isso é muito fascinante, porque o teatro de Peter Brook e a arte povera comunicam muito com poucos elementos. Diferente da busca da forma pela forma da arte minimalista, estão carregadas de simbolismos. Portanto, tem que tomar muito cuidado com essas associações, pois a Pavilhão da Santa Sé não é uma obra minimalista. Ela quer comunicar vários simbolismos, várias coisas, e não a forma pela forma. É algo que faço questão de dizer sobre a capela, que não é escultura, não é instalação, que é arquitetura, porque existe um programa.

Em relação à enquete promovida pelo ArchDaily, na qual você aparece como a única brasileira indicada para o Prêmio Pritzker 2019, qual foi seu sentimento em relação a essa indicação?

É curioso, legal, mas entendo que o Pritzker é para um conjunto de obras maiores, para arquitetos mais maduros. Depois que fiz o Pavilhão da Santa Sé, tenho muitos alunos pedindo estágio comigo, o que nunca tinha acontecido antes [risos], então, de certa forma, isso foi bom, pois é uma divulgação de nosso trabalho. Mas Pritzker é para arquitetos com um histórico muito maior.

*A entrevista foi concedida à Tatiana Zanon, da assessoria de imprensa do IAU, e ao docente do IAU Givaldo Luiz Medeiros

Imagem 1: Carla Juaçaba (crédito: Oficina do Saber)